Sugestão de aula - Língua Portuguesa - As funções da Linguagem
A língua pode ser comparada a “um dicionário, cujos exemplares, idênticos, são distribuídos” e a fala seria o uso que cada indivíduo faz a língua. Ou seja, ao realizar um ato de comunicação verbal, o indivíduo escolhe, seleciona as palavras, para depois organizá-las, combiná-las, conforme a sua vontade. E todo esse trabalho de seleção e combinação não é aleatório, não é realizado por acaso (afinal, seleção significa ‘escolha fundamental’), mas está intimamente ligado à intenção do emissor.
Assim sendo, a linguagem passa a ter a funções.
Importante: Veremos, a seguir, as seis funções básicas da linguagem. Entretanto, como afirma o lingüista Roman Jakobson, “dificilmente lograríamos (...) encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante”. Isto é, em uma mesma mensagem verbal podemos reconhecer sempre mais de uma função. Por outro lado, em toda mensagem prevalece uma das seis funções.
1- Função referencial ou denotativa
A mais comum das funções da linguagem é a que se volta para a informação, para o próprio contexto. A intenção é transmitir ao receptor dados da realidade de uma forma direta e objetiva, com palavras empregadas em seu sentido denotativo. Quando isso ocorre, fica caracterizada a função referencial ou denotativa.
Na função referencial, normalmente prevalece o texto escrito em terceira pessoa, como nos casos de trabalhos científicos e noticiários jornalísticos. Isso significa que o texto estará centrado no referente, ou seja, naquilo que se fala (a terceira pessoa gramatical).
Referente: “A linguagem consiste numa operação pela qual os homens se comunicam a respeito dos objetos da realidade interior ou exterior sem interferência direta deles. Essa operação não manifesta o real, mas o transforma. O real, a coisa, é o referente. Através da linguagem, une-se uma imagem acústica a determinado conteúdo de pensamento, que é a representação mental do referente”.
(Enciclopédia Mirador Internacional)
Referencial: relativo ao referente; no caso, à própria informação.
2- Função emotiva ou expressiva
Quando a intenção do emissor é posicionar-se em relação ao tema que está abordando, é expressar seus sentimentos e emoções, sempre resulta um texto subjetivo, escrito em primeira pessoa. Dessa forma, o texto transforma-se num espelho do ânimo, das emoções, do estado, enfim, do emissor. Nesse caso, trata-se da função emotiva ou expressiva da linguagem. A interjeição é, ao lado da primeira pessoa do singular e de alguns sinais de pontuação (reticências, ponto de exclamação), indicador seguro da função emotiva da linguagem, como no texto que segue:
Exemplo:
Preciso aprender a ser só
Ah! Se eu te pudesse fazer entender Sem teu amor, eu não posso viver Que sem nós dois, o que resta eu Eu assim tão só E eu preciso aprender a ser só Poder dormir sem sentir calor E ver que foi só um sonho e passou
Ah! O amor Quando é demais ao findar leva a paz Me entreguei, sem pensar Que a saudade existe e se vem É tão triste, vê... Meus olhos choram a falta dos teus Esses teus olhos que foram tão meus Por Deus entenda Que assim eu não vivo Eu morro pensando No nosso amor (VALLE, Marcos & VALLE, Paulo Sérgio. in: MAIA, Tim. A arte de Tim Maia. LP Polyfar, 2494 635, 1982, L. 2, f. 3)
O texto, apesar de dialogar com uma segunda pessoa – tu, a pessoa amada ausente -, está todo centrado no emissor – eu. Observe que é só aparente a tentativa de interferir no comportamento do outro (“ se eu te pudesse faze entender”); na verdade, todas as falas do emissor refletem seu estado emocional, sua falta de condições para equacionar o problema da solidão (“ que sem nós dois, o que resta sou eu/eu assim tão só”). A segunda estrofe sugere uma mudança de foco ao mencionar o amor (o referencial), mas essa mudança é apenas aparente; logo o emissor volta a falar das conseqüências sofridas por ele com o findar do amor. Fica caracterizado o predomínio da função emotiva da linguagem, embora tenhamos também a função poética (a especial organização da mensagem).
3- Função apelativa ou conativa
Quando a intenção do emissor é influenciar o destinatário, quando a mensagem está centrada no destinatário em forma de ordem, apelo ou súplica, temos a função apelativa ou conativa da linguagem. Os verbos no imperativo, o uso de vocativos e a segunda pessoa (tu/vós, você/vocês) são marcas gramaticais da função conativa. Os anúncios de publicidade e os comícios políticos às vésperas de eleição empregam uma linguagem em que predomina a função apelativa ou conativa (conativo significa ‘relativo ao processo da ação intencional sobre outra pessoa’).
SAGITÁRIO: 22/NOV- 21 DEZ- Com o sol em seu signo, você inicia um novo ciclo. Portanto, aproveite cada momento para captar todas as energias que conseguir. Mas tome cuidado com seu excesso de generosidade: esqueça que as pessoas merecem toda a atenção do mundo e trate de cuidar mais de si mesma. Evite alimentar dependências e procure relacionar-se de igual para igual com quem realmente interessa. Afinal, ser um pouco egoísta não é nenhum pecado.
Observe como a mensagem acima está inteiramente centrada na figura do receptor: quase todos os períodos contêm verbos no modo imperativo (“aproveite cada momento...”; “tome cuidado com...”; “evite alimentar dependências...”), que evidenciam a intenção do emissor de influenciar o comportamento do receptor.
4- Função fática
Em alguns casos percebe-se que a preocupação do emissor é manter contato com o destinatário, prolongando uma comunicação ou então testando o canal de comunicação com frases do tipo “Veja bem” ou “Olha...” ou “Compreende?”. Essa preocupação com o contato caracteriza a função fática da linguagem.
Toda conversa ao telefone é pontuada por expressões do tipo “Está me ouvindo?” ou “Sim... sei...” ou “Hum... Hum...”, transformando-se em bom exemplo do emprego da função fática.
As fitas de vídeo, por exemplo, antes do início do filme, “dialogam” com o espectador por alguns segundos, testando o canal: na tela aparece uma escala de cores e ouve-se um apito para que o espectador ajuste a sintonia e o som de seu aparelho. Esse procedimento é fático. Veja mais um exemplo:
“- Olá, tudo bem?”. - Tudo bem. E você? - Tudo bem... levando... levando... - É... levando... - Falou... - É isso aí...”
5- Função metalingüística
Em outros casos, a preocupação do emissor está voltada, mesmo, para o próprio código utilizado, ou seja, o código é o tema da mensagem ou é utilizado para explicar o próprio código. Ocorre, então, a função metalingüística ou metalinguagem, como nos exemplos:
“Gosto da palavra fornida. É uma palavra que diz tudo o que quer dizer. Se você lê que uma mulher é bem fornida, sabe exatamente como ela é. Não é gorda, mas cheia, roliça, carnuda. E quente. Talvez seja a semelhança com o forno. Talvez seja apenas o tipo de mente que eu tenho”.
(Luiz Fernando Veríssimo)
fornido. [Part. de fornir] Adj. 1. Abastecido, provido. 2. Robusto, carnudo, nutrido, alentado: “Era uma mulata fornida, de ancas largas, nova e sadia.” (Francisco Julião Cachaça, p. 23)
(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 802).
Ocorre metalinguagem quando se dá uma definição ou quanto se explica ou se pede explicação sobre o conteúdo da mensagem. Por extensão, fala-se em metalinguagem quando um filme tem por tema o próprio cinema, uma peça teatral tem por tema o teatro, uma poesia discorre sobre o próprio ato de escrever, etc.
6- Função poética
Quando a intenção do emissor está voltada para a própria mensagem, quer na seleção e combinação das palavras, quer na estrutura da mensagem, ocorre a função poética. Como afirma Roman Jakobson, a função poética “coloca em evidência o lado palpável, material dos signos”.
Ao selecionar e combinar de maneira particular e especial as palavras, o poeta procura obter alguns elementos fundamentais da linguagem poética: . o ritmo; . a sonoridade; .o belo e o inusitado das imagens.
Evidentemente, num texto poético você poderá encontrar também as demais funções da linguagem. Mas o valor da poesia reside exatamente no trabalho realizado com a própria mensagem.
Importante é perceber que a função poética não é exclusiva da poesia; você poderá encontrá-la em textos escritos em prosa, em anúncios publicitários e mesmo na linguagem cotidiana. Nesses casos, ela não será a função dominante. Observe como nossa tendência é sempre falar “amizade luso-brasileira” e nunca “amizade brasileiro-lusa”. Da mesma forma, ao enunciarmos uma seqüência aleatória de nomes, a tendência será pronunciar os nomes mais curtos antes dos mais longos: como nos ensina Jakobson, diremos “Joana e Margarida” e nunca “Margarida e Joana”. E qual a explicação? Simplesmente porque “soa melhor”. A seguir, alguns exemplos da função poética da linguagem:
“Sinhá prosseguia, servia, fechada a gestos, ladeando tempo, como o que semelhava causada morte. Tornava-lhe a filha casada de Quibia, por empréstimos, quase todo ordenado, já que a ninguém ela nada recusava, queria nada: não esperar; adiar de ser. A bem dizer, quase nem comia, rejeitava o gosto das coisas; dormia como as aves desempoleiradas. Nem um ingrato minuto da arrancada separação poderiam restituir-lhe!” Que é que o tempo tacteia? Os dias, os meses, por dentro, em seu limpo espírito se afastavam iguais”.
(ROSA, Guimarães. Tutaméia. 5a. ed. Rio de Janeiro, J.Olympio, 1979, p.143). A impressão do teu corpo no meu mexeu
Poeminha do contra
Todos esses que aí estão Atravancando o meu caminho Eles passarão Eu passarinho!
(Quintana, Mário. Op.cit. p.28).
EXPLICAÇÃO DE POESIA SEM NINGUÉM PEDIR
Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica mas atravessou a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento. (PRADO, Adélia. In “Bagagem”) Doce Tempo
Minha mãe tinha cabelos brancos E a face docemente sulcada pelas marcas do tempo Bendito seja Deus que me permitiu vê-las E, durante anos, beber A fala mansa, forte, clara e honesta dela Mais de setenta anos e uma alegria de viver invejável Assim vou também envelhecendo Juventude na velhice, palavra tão depreciada Idoso é pomposo, ser velho é ser nobre Ter história e não escondê-la Somos como árvores Depois das flores e dos frutos, ainda resta a sombra Onde tranqüilos, repousamos Ó Senhora minha mãe! – minha doce sombra Morrer é voltar ao útero Somos sempre meninos e meninas Quando o coração ainda sente.
(FERREIRA, Edson Gonçalves. In “Retratos em pérolas”).
Conclusão
Agora que você conhece as seis funções da linguagem, vamos retomar os elementos da comunicação e seu esquema para relacioná-los às funções da linguagem. Leia atentamente o texto a seguir: A linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções. Para se ter uma idéia geral dessas funções, é mister uma perspectiva sumária dos fatores constitutivos de todo processo lingüístico, de todo ato de comunicação verbal. O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz a mensagem requer um contexto a que se refere, apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização, um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um contato, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. Todos estes fatores inalienavelmente envolvidos na comunicação verbal podem ser esquematizados com segue: Contexto Mensagem Remetente Destinatário |____________________________________________| Contato Código Cada um desses seis fatores determina uma diferente função da linguagem.
(JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Cultrix, São Paulo, p. 122-3).
Mais adiante, Roman Jakobson monta um esquema correspondente às funções da linguagem:
Referencial Emotiva Poética Conativa Fática Metalingüística
finalmente, para obter uma visão geral e completa dos fatores fundamentais da comunicação e de suas relações com as funções da linguagem, podemos fazer uma superposição dos dois esquemas:
CANAL DE COMUNICAÇÃO (função fática)